Quem escreve bem é mais inteligente?
Uma reflexão a partir do livro "Escrever sem medo", da Jana Viscardi
Olá, tudo bem?
A newsletter de hoje surgiu a partir de uma das muitas reflexões provocadas pela Jana Viscardi, no livro "Escrever sem medo". Lá na página 88, ao falar sobre o problema das sociedades centradas na escrita, como a nossa, ela afirma:
"É parte de uma lógica recheada de preconceitos o entendimento de que 'só pensa bem quem escreve bem', uma máxima que vemos circular quando nas eleições, por exemplo, há quem questione o direito ao voto de quem não é alfabetizado. Esse tipo de raciocínio, reforço, tão comum às sociedades centradas na escrita, tem como resultado uma dinâmica de disseminação de preconceitos marcadora da desigualdade em que vivemos: as práticas orais não são reconhecidas como veiculadoras significativas de conhecimento e sentido; essa veiculação estaria relegada exclusivamente à escrita."
Aqui na com.tato, por causa da proximidade com os autores e autoras, percebemos algo muito comum, principalmente com quem está lançando seu primeiro livro: um sentimento quase de vergonha das pessoas pela obra que está sendo lançada. Que, geralmente, vem acompanhada de um discurso de "não é o meu melhor, não sou um/uma escritor/a ainda, mas estou feliz que o livro será lançado".
Outra questão que observamos é a relação de quem escreve com o tema dos seus livros. Parece que, se a obra escrita não abordar """temas relevantes""" (acrescente muitas aspas aqui), ela é menor. Tem menos importância. Essa valorização excessiva da escrita e a expectativa de que uma obra literária deva abordar temas "relevantes" para ter algum valor é um reflexo direto das hierarquias culturais. A escrita, por muito tempo, foi uma ferramenta de poder, e quem dominava as letras muitas vezes detinha o poder de moldar narrativas, perpetuar ideias e, infelizmente, marginalizar formas de expressão que não cabiam nesse molde.
No entanto, o medo de não atingir um certo padrão literário ou de não abordar assuntos que a sociedade considera "importantes" pode sufocar a criatividade e a autenticidade dos escritores e escritoras. É como se a escrita precisasse sempre se justificar, como se o ato de criar não fosse, por si só, valioso. Esse tipo de pensamento nos leva a questionar: o que significa escrever bem? É realmente necessário abordar temas complexos ou inovadores para que uma obra seja considerada relevante?
Escrever bem, na verdade, pode ser simplesmente encontrar a sua voz, dizer o que precisa ser dito da maneira que só você pode dizer. A beleza da literatura reside justamente na diversidade de vozes e perspectivas. Nem todo livro precisa ser um tratado sobre as grandes questões do nosso tempo; há valor também nas histórias simples, nas reflexões cotidianas e nas experiências pessoais.
Como a própria Jana aponta na página 61:
"Assim, o que me parece estar no cerne da questão do ‘escrever bem’ é a apropriação dos inúmeros recursos linguísticos que nos estão disponíveis (e aqui fiz questão de não usar o termo gramática, justamente para que não venha à mente a ideia das regras todas que não podem ser esquecidas) no processo de escrita. E observe o que digo: no processo de escrita. Quando a escritora Aline Valek insiste em dizer que é preciso ‘confiar no processo’, ela reconhece que a escrita tem etapas, é parte de uma jornada que se desenrola ao longo do tempo. Isso implica dizer que seu primeiro texto não será necessariamente perfeito (há algum texto perfeito?) e essa ‘imperfeição’ é parte do ato de escrever."
É importante lembrar que a escrita é um processo contínuo de aprendizado e crescimento. A insegurança que muitos autores e autoras sentem ao lançar suas primeiras obras é natural, mas não deve ser motivo de vergonha. Cada livro é um marco de onde se estava naquele momento da vida, uma expressão legítima de quem o autor ou autora é.
Então, ao invés de se preocupar tanto com as expectativas externas, talvez o foco deva ser no prazer de escrever, na liberdade de criar sem as amarras do julgamento alheio. Porque, no final das contas, escrever bem não significa seguir uma cartilha ou atender a um padrão, mas sim ser verdadeiro consigo mesmo e com o que se quer expressar.
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Dias 28 e 29 de agosto: curso online “Sou escritor/a mas odeio escrever para as redes sociais”
Na próxima semana teremos a primeira turma do curso "Sou escritor/a mas odeio escrever para as redes sociais".
Nele, vamos ensinar a estruturar as suas redes sociais para produzir conteúdo em um ritmo que funcione para você.
Além disso, vamos te dar dois presentes:
🎁Bônus 1: Uma consultoria gratuita para suas redes sociais.
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A inscrição custa R$150 (PIX, boleto ou em até 12x no cartão) e as vagas são limitadas.
Recomendando esse texto pra todos meus colegas escritores e escritoras!